Longe de querer ser mais um dos bares tradicionais de Porto Alegre que se modernizaram e adotaram o termo “vintage” (antigo, clássico) para qualificar a decoração, o Bambu’s, na avenida Independência, mantém o ar simples que o tornou um dos berços de bandas importantes do rock’n roll gaúcho e abrigo para artistas, estudantes e outros interessados em reunir os amigos.
Fundado há 38 anos por Onorino Fiori, o bar e restaurante localizado no coração da cidade foi criado para suprir uma demanda dos moradores do bairro, com poucas opções de lugares que servissem comida boa e barata. Porém, ao assumir a direção do local, o herdeiro Sidnei Fiori, o Sid, como é conhecido pelos frequentadores assíduos, resolveu mudar o horário de funcionamento, passando a abrir no final da tarde, sem hora para fechar. Aos 18 anos, o Bambu’s entrava na maioridade e começava a ganhar relevância na vida boêmia da Capital.
O espaço se tornou uma mostra do caldeirão cultural que compõe a Capital e atravessou gerações sem alterar absolutamente nada na estética, no atendimento e no cardápio – composto por lanches tradicionais e tendo como carro-chefe o pastel de queijo frito na hora. “Mas a comida não é nosso forte. O pessoal vem mesmo para tomar cerveja e só pede algo para comer mais no final da noite”, completa a esposa de Sidnei, Ana Fiori, atrás do balcão, como de costume.
Ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, o bar assumiu o posto de lar de inúmeras bandas importantes, principalmente de rock’n roll, como Cachorro Grande, Pata de Elefante e Bidê ou Balde. “Sempre recebemos o pessoal do meio cultural. Até hoje, muitos vêm trazer CDs, mas têm uns que nem lembro porque não deram certo”, conta Sid, de forma bem-humorada.
O reconhecimento ao papel de segunda casa dos grupos veio em forma de música. O Bambu’s serviu de inspiração e cenário para o videoclipe da canção Debaixo do Chapéu, da Cachorro Grande, uma das músicas responsáveis por alavancar a carreira da banda fora do Estado. Nele, Sid vive o papel de um dono de bar de poucos sorrisos que manda os “guris” para fora do estabelecimento pelo não pagamento da conta. A mais recente homenagem veio através da música Pesadelo no Bambu’s, da Pata de Elefante. Apesar de narrar um pesadelo, o clipe em animação é divertido e mostra, através de uma história non sense e de cores fortes, um pouco da atmosfera do local.
Próximo dos já desativados Garagem Hermética – importante espaço de lançamento de bandas e reunião de músicos distantes do circuito tradicional –, e Cabaret – destino certo dos porto-alegrenses interessados em uma festa regada a boa música –, e dos ainda existentes Casa de Teatro e Beco 203, o local se tornou a primeira parada da noite de centenas de jovens. “Desde a metade dos anos 2000, o Bambu’s se tornou um ponto de encontro dos amigos que queriam beber antes de entrar nas festas próximas, mas tudo mudou muito com o fechamento do Garagem e o incêndio do Cabaret”, lamenta o proprietário.
Antes disso, o fechamento do bar pela Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic), em julho do ano passado, após denúncia de “algazarra” – amenizado por um acordo que permitiu sua reabertura, mas proibiu a circulação com copos em frente ao bar e aglomeração nas redondezas –, dava sinais de que tempos difíceis estavam por vir. Combinado a isso, o acirramento das fiscalizações durante as operações da Balada Segura contribuíram para a diminuição das vendas no local.
Não resta dúvida de que o local é respeitado pelos porto-alegrenses. Prova disso é que, ao ser interditado pela prefeitura, centenas de pessoas se reuniram em uma grande manifestação pedindo sua reabertura. “Teve gente aqui que realmente é cliente, outros vieram em respeito à história. O Bambu’s é um patrimônio cultural de Porto Alegre”, defende Fiori. “No dia em que teve o protesto aqui na frente, veio mais gente do que em qualquer outra noite em que estivemos abertos”, completa Ana.
Querido pelos jovens de espírito de toda cidade, o Bambu’s gera polêmicas entre os vizinhos, que, inclusive, já fizeram um abaixo-assinado pedindo sua interdição. O proprietário Sidnei Fiori, o Sid, contesta o descontentamento dos vizinhos advertindo que o bar ajuda a movimentar a região. “Onde junta gente tem mais segurança. Agora que diminuiu o movimento, já estão começando a acontecer mais assaltos, principalmente no fim de semana”, adverte.
Segundo os Fiori, a algazarra é apenas diversão, pois nunca houve uma briga séria dentro ou em frente ao bar. “Aceitamos todo o tipo de gente aqui, desde que eles se respeitem”, enfatiza Ana, que sabe quando tem de intervir para acalmar os ânimos, dar conselhos ou puxar a orelha de quem está passando dos limites. “Numa época vinham uns skinheads e punks. Quando eu via que começava um burburinho, ia conversar com eles e avisava que não queria briga. Eles me respeitavam e nunca deu nada”, conta.
Atualmente, o Bambu’s passa por dificuldades financeiras e luta para continuar aberto. “Não sabemos o que vai acontecer caso o movimento continue tão fraco, mas sempre fazemos uma reserva nas épocas boas”, avisa Sidnei, garantindo estar preparado para contornar as adversidades. A segurança do casal está amparada no fato de o Bambu’s ser um sobrevivente, já tendo presenciado a derrocada de outros estabelecimentos à sua volta.